A pandemia provocada pelo coronavírus, é consabido, impactou a todos diretamente. Em poucos meses muitas adaptações foram necessárias e a maior parte das pessoas tiveram que (desde que lhes fosse possível) permanecer em casa, visando, assim, a uma situação de menor transmissibilidade, essencial para que se evitasse um colapso no sistema de saúde, seja na rede pública, seja na rede privada.
O sacrifício imposto por essa situação acarretou, em muitos setores da economia, em uma paralisação total. O resultado tem sido uma recessão de tamanho ainda desconhecido, com muitas demissões, pedidos de falência e de recuperação judicial, além de impontualidades e descumprimentos contratuais tanto por parte de consumidores quanto pelas empresas.
Nesse contexto delicado, ganhou notoriedade a discussão quanto à atividade de ensino, em especial o ensino promovido por instituições privadas, mediante cobrança de mensalidades.
Em razão da proibição de atividades presenciais[1], as instituições tiveram de agir com rapidez para adaptar suas estruturas educacionais a um ambiente virtual[2], fazendo uso de equipamentos tecnológicos e programas que permitissem a postagem de conteúdo, além de interações ao vivo entre professores e alunos. Para estabelecer essa adaptação, muitas escolas anteciparam os períodos de férias, medida adotada ainda no início do isolamento social, fato que não ocorreu, em regra, nas Instituições de Ensino Superior, impondo-se a estas uma necessidade de adaptação ainda mais rápida na maioria dos casos.
Se este novo ambiente não é o ideal e nem pode ser equiparado ao ensino presencial, foi também aquele que se revelou possível diante da crise sanitária, sendo certo que o novo modelo requer muito mais do aluno, tendo em vista a necessidade de maior disciplina, capacidade de organização, interesse em acompanhar o conteúdo, equipamentos e conexão com a rede de internet adequados, além da utilização de um ambiente doméstico minimamente compatível com o processo de ensino e aprendizagem.
É certo que essa tarefa não é simples, sobretudo em razão dos impactos emocionais também acentuados pelas circunstâncias vivenciadas, além de dificuldades inerentes a cada indivíduo, sendo certo que alguns manifestaram neste processo uma melhor condição de adaptabilidade do que outros, havendo também aqueles para os quais esse novo modelo se revelou absolutamente inviável.
Muitos foram o que se apressaram em afirmar que, diante dos fatos acima destacados, seria imperiosa a concessão de descontos nas mensalidades por parte das instituições de ensino, uma vez que agora tal atividade estaria sendo à distância, e não presencial, o que ensejaria uma redução nos custos do fornecedor, que deveria ser necessariamente repassada ao consumidor.
No caso específico do estado do Ceará, inicialmente houve uma liminar obtida em uma ação coletiva[3], proposta pela Defensoria Pública estadual, que determinou a concessão linear de 30% de desconto por parte das escolas. Além disso, houve a aprovação da Lei Estadual 17.208, de 11 de maio de 2020, que fixa um desconto escalonado, a depender da faixa etária do discente e do porte da instituição de ensino, mantendo-se a aplicação de desconto para todos, em um patamar mínimo de 5% (cinco por cento) e máximo de 50% (cinquenta por cento)
É preciso, contudo, destacar elementos relevantes da situação vivenciada. Se, de um lado, é certo que o consumidor vulnerável é o mais afetado por conta da crise de saúde, econômica e emocional, é também preciso lembrar que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor[4] estabelece como
princípio da política nacional das relações de consumo a manutenção da viabilidade do exercício de atividades econômicas, a boa-fé e o estudo constante das modificações do mercado.
Não se pode querer aplicar a novos problemas soluções antigas! A pandemia também afetou as instituições e seu equilíbrio econômico-financeiro. Sugerir que todas as instituições tiveram significativa redução em seus custos chega a ser leviano, tendo em vista que o maior gasto nesse setor é, em regra, com a folha de pagamentos, em especial de professores, sobretudo se a instituição investe em docentes qualificados.
Desse modo, um desconto linear e impositivo parece ser a pior solução, tendo em vista que, apenas para citar alguns efeitos negativos, não considera as peculiaridades de cada estudante, que pode ou não ter tido seus rendimentos afetados; ignora as diferenças estruturais e de custos das diversas instituições de ensino existentes[5], prejudicando especialmente as pequenas; elimina os espaços de negociação possíveis entre consumidores e fornecedores.
Convém lembrar o que afirma Cláudia Lima Marques[6]: “O caput do art. 4º do CDC menciona, além da transparência, a necessária harmonia das relações de consumo. Esta harmonia será buscada através das exigências de boa-fé nas relações entre consumidor e fornecedor.”
Defende-se, assim, que descontos não devem ser fixado de forma impositiva, seja pelo legislador, seja pelo Poder Judiciário, uma vez que essa medida, muitas vezes promovida com a boa intenção de socorrer os consumidores, em verdade prejudica o setor, favorecendo a que pequenas instituições fechem suas portas. O melhor caminho é, sem dúvida, a negociação franca, com boa-fé e transparência das partes envolvidas, a fim de se encontrar um ponto de equilíbrio nos interesses conflitantes.
É preciso também compreender que os fornecedores também precisam adequar sua postura a este ambiente, permitindo um atendimento eficiente e humanizado ao consumidor. Caso a instituição de ensino não forneça o espaço adequado para a negociação, aí sim passa a ser pertinente a persecução, seja pela via administrativa, seja pela via judicial.
[1] No estado do Ceará, assim como em diversos outros da federação, as atividades presenciais estão suspensas desde 16 de março de 2020, por intermédio do Decreto 33.510, de 2020, tendo sido a suspensão periodicamente renovada através de decretos posteriores.
[2] O Ministério da Educação autorizou, por meio da Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, a virtualização das atividades de ensino, por todo o período que durar a situação de pandemia atualmente vivenciada.
[3] Ação Civil Pública nº.: 0226170-82.2020.8.06.0001. Decisão suspensa no agravo de instrumento nº.: 0625920-84.2020.8.06.0000, perante o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará – TJCE.
[4] Art. 4º Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990.
[5] A esse respeito recomenda-se a leitura de nota técnica elaborada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE – Nota técnica 17 de 2020, do Departamento de Estudos Econômicos do CADE.
[6] MARQUES, Claudia. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2019, p. 905 (sem destaques no original)